Eu queria que aquele menino tocasse a sanfona! Ele não era revendedor de canetinhas do Largo Treze nem vendedor de biscoitos esquisitos de marcas mais esquisitas ainda. Tampouco era aqueles peruanos chatos que tocam a música tema de Titanic na zamponha (aquele instrumento de sopro inca de bambu).
Quando ele subiu no ônibus pela porta traseira com uma sanfona bonita de madeira vermelha e brilhante, abri um sorriso para mim mesmo. Adoro ver coisas incomuns. Prendem nossa atenção e faz o tempo passar mais rápido. Não que aquele menino baixinho de camiseta colorida surrada com a sanfona na mão seja uma novidade. Já vi um trio de velhinhos com zabumba, triângulo e sanfona tocando em alto e bom som no fundo do ônibus num sábado de madrugada. Acredito que naquela noite nunca a avenida Santo Amaro foi tão feliz.
Hoje ela estava mais apressada, talvez por ser quase duas horas da tarde. Eu estava voltando do almoço em casa para a agência. As pessoas nesse horário são fechadas e estranhas. Algumas usam terno preto com meia branca de algodão e não raro tênis vermelho. Elas são quietas. No ônibus só se ouvia os apitos e a catraca eletrônica girando.
Até que dois pontos antes d’eu descer, entra aquele menino sanfoneiro. Estava ansioso para ele tocar e quebrar o silêncio. E nada. Ele não tocava. Ao invés disso, começou a distribuir alguns panfletinhos. Não me ofereceu porque estava em pé preparado para descer. Talvez era um pedido para ajudar o irmãozinho mais novo, talvez uma rifa-express para vender aquela sanfona ou até a letra da música que ele iria tocar e queria que tivesse um coral, sei lá.
O sorriso que dei quando ele subiu, murchou quando o ônibus abriu a porta e não iria escutar aquele moleque pequenininho tocar aquele instrumento que era praticamente do mesmo tamanho dele. Desci triste enquanto outras pessoas subiam e certamente sortudas sem saber, já que mais alguns metros o menino poderia tocar. Ou não. E eu fui para o semáforo atravessar a rua. Tive um momento de sorte porque não tive que esperar muito. O farol fechou. O meu ônibus parou na faixa de pedestres. Atravessei-o e comecei a escutar o som da safona. Olhei pra trás e o ônibus começou a andar.
Só consegui ver três coisas: o menino sanfoneiro tocando uma marchinha animada que não descobri qual era, o sorriso de uma senhora e meu sorriso meio avergonhado de ter descido justamente quando ele começou a tocar.
Deveria ter descido no próximo ponto. Eu queria que aquele menino tocasse a sanfona!
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